terça-feira, 17 de dezembro de 2013

SAÚDE EM FOCO - DROGADIÇÃO

 LEIA COM ATENÇÃO A ENTREVISTA DADA A REVISTA VEJA, PELA PSIQUIATRA NORA VOLKOW. IMPORTANTE PESQUISADORA SOBRE DROGAS.


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"Não existe droga segura”

Nora Volkow

VEJA EDIÇÃO 2158 31 DE MARÇO DE 2010.

A psiquiatra mexicana Nora Volkow, 54
anos, é uma das mais importantes
pesquisadoras sobre drogas no mundo.
Quando, porém, o assunto são os danos
neurobiológicos que essas substâncias
causam, Volkow pode ser considerada a
número 1. Foi a psiquiatra quem primeiro
usou a tomografia para comprovar as
consequências do uso de drogas no
cérebro e foi também ela quem, nos anos
80, mostrou que, ao contrário do que se
pensava até então, a cocaína é, sim,
capaz de viciar. Desde 2003 na direção
do Instituto Nacional sobre Abuso de
Drogas, nos Estados Unidos, Volkow
esteve no Brasil na semana passada para
uma palestra na Universidade Federal de
São Paulo. Dias antes de chegar, falou a
VEJA, por telefone, de seu escritório em
Rockville, próximo a Washington.
Há quinze dias, um cartunista brasileiro e
seu filho foram mortos por um jovem com
sintomas de esquizofrenia e que usava
c o n s t a n t e m e n t e m a c o n h a e
dimetiltriptamina (DMT), na forma de um
chá conhecido como Santo Daime. Que
efeitos essas drogas têm sobre um
cérebro esquizofrênico?
Por tadores de esquizof renia têm
propensão à paranoia, e tanto a
maconha quanto a DMT (presente no chá
do Santo Daime) agravam esse sintoma,
além de aumentar a profundidade e a
frequência das alucinações. Drogas que
produzem psicoses por si próprias, como
metanfetamina, maconha e LSD, podem
piorar a doença mental de uma forma
abrupta e veloz.
Que efeitos essas drogas produzem em
um cérebro saudável?
Em alguém que não tenha esquizofrenia,
os efeitos relacionados com a ansiedade
e com a paranoia serão, provavelmente,
mais moderados. Não é incomum, porém,
que pessoas saudáveis, mas com
suscetibilidade maior a tais substâncias,
possam vir a desenvolver psicoses.
Estudos conduzidos pela senhora nos anos
80 provaram que a cocaína tinha, sim, a
capacidade de viciar o usuário e de causar
danos permanentes ao cérebro. Até então,
e la era cons iderada uma droga
relativamente "segura". Existe alguma
droga que seja segura no que diz respeito
à capacidade de viciar e de causar danos à
saúde?
Não existe droga segura, a não ser a
cafeína. Como ela é estimulante e produz
efeitos farmacológicos nos receptores de
adenosina, é, sim, uma droga. Mas não
há evidências de que vicie nem de que
seja tóxica - a não ser que você tenha
problemas cardiovasculares. Ainda não
sabemos se é prejudicial a crianças e
adolescentes, mas para adultos não há
nenhum problema.
E a maconha?
Há quem veja a maconha como uma
droga inofensiva. Trata-se de um erro.
Comprovadamente, a maconha tem
efeitos bastante danosos. Ela pode
bloquear receptores neurais muito
importantes. Estudos feitos em animais
mostraram que, expostos ao componente
ativo da maconha, o tetraidrocanabinol
(THC), eles deixam de produzir seus
própr i o s canabinoi d e s na t u r a i s
(associados ao controle do apetite,
memória e humor). Isso causa desde
aumento da ansiedade até perda de
memória e depressão. Claro que há
pessoas que fumam maconha diariamente
por toda a vida sem que sofram
consequências negativas, assim como há
quem fume cigarros até os 100 anos de
idade e não desenvolva câncer de
pulmão. Mas até agora não temos como
saber quem é tolerante à droga e quem
não é. Então, a maconha é, sim,
perigosa.
A senhora concorda que ela seja a porta
de entrada para outras drogas?
Se você olhar os dados, verá que a maior
parte dos usuários de cocaína começou
com a maconha. Mas, ao olharmos os
dados de quem fuma maconha, veremos
que essas pessoas geralmente começaram
com cigarros ou álcool. Qual seria a
verdadeira droga de entrada, então?
Uma das leituras sobre essa questão é
que, durante a adolescência, as pessoas
bebem e fumam cigarros porque esses
produtos estão disponíveis e são legais e,
quando crescem, elas se tornam
propensas a usar drogas mais pesadas.
Uma leitura alternativa é que a exposição
à nicotina e ao álcool na juventude faz
com que as pessoas fiquem mais
vulneráveis aos efeitos de outras drogas.
Para mim, essa é a hipótese correta. A
exposição precoce às drogas muda a
sensibilidade do sistema de recompensa
do cérebro. Como esse sistema se torna
menos sensível, os dependentes químicos
buscam uma compensação nas drogas.
Por que em geral as pessoas começam a
usar drogas na adolescência?
O cérebro do adolescente é muito menos
conectado do que o de um adulto. Como
re sul tado, os adolescentes não
conseguem controlar e regular a
intensidade de suas emoções e desejos
da mesma forma que os mais velhos. Isso
faz com que vivam de maneira mais
vigorosa, mas, ao mesmo tempo,
assumam r i s c o s maiores , como
experimentar drogas.
O uso de drogas na adolescência é mais
perigoso do que na vida adulta?
Certamente, porque o cérebro de um
adolescente é mais plástico e mais
sensível aos estímulos externos que vão
moldá-lo. A forma que seu cérebro vai
tomar na idade adulta depende muito dos
estímulos que você recebeu quando
criança e adolescente. O risco de
desenvolver o vício também é maior para
o adolescente. O motivo é o mesmo: a
plasticidade cerebral nessa fase, que faz
com que o jovem apreenda informações
muito mais facilmente do que o adulto.
Por que é tão difícil quebrar o ciclo de
desejo, compulsão e perda de controle
que o vício traz?
É dificil porque o cérebro, em
consequência do uso de drogas, é
modificado de maneira física. A
dependência química é uma doença
cerebral que muda a bioquímica, a
função e a anatomia do cérebro. Ocorre
da seguinte maneira: todas as drogas
aumentam a concentração de dopamina
no cérebro . Quando o sistema
dopaminérgico é ativado vez após outra
pelo consumo repetido dessas
substâncias, ele sofre modificações, de
forma que passa a não funcionar mais
Por que é tão difícil quebrar o ciclo de
desejo, compulsão e perda de controle
que o vício traz?
É difíil porque o cérebro, em
consequência do uso de drogas, é
modificado de maneira física. A
dependência química é uma doença
cerebral que muda a bioquímica, a
função e a anatomia do cérebro. Ocorre
da seguinte maneira: todas as drogas
aumentam a concentração de dopamina
no cérebro . Quando o si tema
dopaminérgico é ativado vez após outra
pelo consumo repetido dessas
substâncias, ele sofre modificações, de
forma que passa a não funcionar mais
quando a pessoa não está sob efeito da
droga. Com isso, o usuário procura usar
mais drogas - para tentar compensar esse
déficit.
O que faz alguém se viciar em uma
droga?
Isso pode variar de pessoa para pessoa e
de acordo com o tipo de droga. Mas, de
modo geral, é preciso que a pessoa seja
exposta à substância repetidamente.
Mesmo nessas condições, nem todos os
usuários se viciam. Porém cerca de 10%
deles desenvolvem o vício depois de
pouco tempo de uso. Nos casos em que
isso ocorre, o usuário tem uma
vulnerabilidade que pode ser de ordem
biológica ou social. Isso significa que ele
pode ter uma predisposição genética
para o vício ou estar sob algum tipo de
stress que ajudou a disparar o gatilho da
adição. Os traumas mais potentes
ocorrem na infância: abandono,
repetidas negligências, abusos físicos,
sexuais, convivência com pais presos ou
portadores de doenças mentais. Mas é
claro que nada disso resulta em vício se a
pessoa não tiver acesso às drogas.
É possível curar o vício?
Nós não podemos curá-lo atualmente,
apenas tratá-lo. Quando você tem uma
infecção bacteriana, toma um antibiótico
e está curado. Agora, se você tem asma
ou diabetes, tem de tomar algum tipo de
medicamento ao longo de sua vida. É um
tratamento para sua condição, não uma
cura. Hoje, existem apenas tratamentos
para o vício , que combinam
medicamentos e terapias
comportamentais. Estamos desenvolvendo
uma vacina contra o vício de cocaína e
nicotina, mas são apenas pesquisas
ainda.
É possível, depois de se reabilitar, voltar a
usar drogas sem se viciar?
Há casos já identificados. Por muito
tempo se disse, principalmente sobre o
alcoolismo, que, se você é alcoólatra,
nunca, mas nunca mesmo, poderá chegar
perto de novo da droga. Em pesquisas,
há evidências de que alguns alcoólatras
conseguem voltar a beber um ou dois
copos de vez em quando sem se viciar,
mas eles são a minoria. O problema é
que não sabemos quem será capaz de se
ater a apenas alguns drinques e quem vai
se viciar de novo, por isso recomendamos
clinicamente que todos fiquem afastados
da droga.
Está em curso no Brasil uma campanha
para descriminalizar a maconha. A
senhora concorda com isso?
Não concordo porque, ao descriminalizar
a maconha, você estará contribuindo
para que mais gente a consuma. Há
quem não fume por medo da repercussão
negativa que a atitude pode provocar - e
descriminalizá-la significa dizer: "Se você
fumar, está tudo bem".
Um grupo de pesquisadores brasileiros
está discutindo a possibilidade de permitir
o uso medicinal da maconha. Quais são os
benefícios já comprovados da droga?
As pesquisas mostram que os
canabinoides, inclusive o THC, têm
algumas ações terapêuticas úteis. Por
exemplo, diminuem a resposta à náusea,
o que é muito útil para pacientes com
câncer que estão enfrentando uma
q u imi o t e ra p i a . Ou t ra va n t a g e m
comprovada é que eles aumentam o
apetite e podem ajudar a combater a
anorexia que acomete pacientes com
doenças como a aids, por exemplo. Além
disso, podem ter benefícios analgésicos e
diminuir a pressão interna do olho, o que
pode evitar um glaucoma. O que nosso
instituto apregoa é que você pode ter o
benefício dos canabinoides sem os efeitos
colaterais que resultam do fumo da
maconha, como a perda de memória, por
exemplo. Por isso, estamos encorajando o
desenvolvimento de medicamentos que
maximizem as propriedades terapêuticas
da droga sem seus efeitos danosos. No
mercado americano, já existem algumas
pílulas, como a Marinol, que permitem
isso.
Em suas pesquisas a senhora descobriu
que o córtex orbitofrontal, a principal área
do cérebro afetada por quem tem
transtorno obsessivo-compulsivo, também
está ligado ao vício. É essa a chave da
compulsão pelas drogas?
Eu concluí que a pessoa viciada em
drogas desenvolve uma obsessão e uma
compulsão pela droga similares às
daquela que tem transtorno obsessivo-compulsivo.
O que o vício e o TOC têm
em comum é que ambas as doenças
afetam as mesmas áreas do cérebro,
aquelas relacionadas aos hábitos e aos
controles. Mas, embora o local afetado
seja o mesmo e a apresentação dos
sintomas se dê de forma parecida, os
mecanismos que l evam a essas
anormalidades não são.
A senhora também estudou a função da
dopamina em quem come
compulsivamente. Que relações se podem
fazer entre a obesidade e o vício em
drogas?
Ambos resultam em uma busca
compulsiva por uma recompensa: no caso
da obesidade é a comida e no caso da
adição é a droga. Nos dois, há a perda
de controle. Quem é patologicamente
obeso come mesmo quando não quer.
Podemos dizer que algumas pessoas
parecem ser viciadas em comida, embora
até o momento isso não tenha sido aceito
nas comunidades clínica e científica.
A secretária de Estado dos Estados Unidos,
Hillary Clinton, disse recentemente que o
povo americano tem uma demanda
insaciável por drogas. A senhora acredita
que essa demanda é mesmo mais intensa
nos EUA do que em outros países?
O prazer oriundo das drogas é uma
comodidade que você compra, como um
luxo. Então há, sem dúvida, um elemento
econômico nessa discussão. Também
existem elementos relacionados à
estrutura social e às normas. Os
americanos são mais tolerantes em
relação a comportamentos diferentes do
que muitos outros povos. Isso resulta
também em maior aceitação do uso de
drogas.
A senhora nunca sentiu vontade de
experimentar alguma droga?
Bebo de vez em quando um copo de
vinho e experimentei cigarros quando era
adolescente. Nunca usei cocaína,
maconha nem outro tipo de droga ilícita.
Amo meu cérebro e nunca pensei em
estragá-lo.

Estudado e compartilhado de:
CURRICULUM VITAE
UNIVERSIDADES OU A SERVIÇOS DE REFERÊNCIA NO CAMPO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA E DE ÁREAS CORRELATAS.
REVISTA do curso de especialização em dependência química
ABR 2011 | VOLUME 1 | NÚMERO 2
curso de especialização
em dependência química
RONALDO LARANJEIRA
Coordenação Geral do INPAD | UNIAD
MARCELO RIBEIRO
Coordenação do Curso de Especialização
LÍGIA BONACIM DUAILIBI
Coordenação dos Seminários Avançados